Por Zélia Duncan, cantora e compositora
Noel
morreu aos 26 anos e deixou quase trezentas músicas como legado. Mas
vejam bem, quase trezentas BELAS músicas. Fico aqui pensando que alguma
coisa, desde muito cedo, devia transmitir a ele a urgência de sua
existência, a necessidade de desaguar o seu melhor, mesmo antes de
usufruir do tempo para seu aprimoramento. Então Noel Rosa deve ter
realizado o fato de que não teria o aliado poderoso a seu favor para
aprender. E aprendeu assim, de repente, como se cada ano fosse uma
década. Como se já tivesse nascido pronto!
Falou
de roupa, portanto de moda. Falou da Vila, falou do Estácio, do
botequim, das coisas nossas, da boemia, dos disparates da época,
detectados ainda hoje. Filosofou, falou do orvalho, das diferenças de
classe, das crônicas do dia a dia e de amor. Bateu boca através de
clássicos com Wilson Batista. Usufruiu e aprofundou na música brasileira
as melodias de choro, convocou os ritmistas do morro, subiu o morro
pra fazer parcerias, embora fosse de classe média. Valorizou ao extremo
o que nos identificava e ainda não era muito falado. É nosso campeão
dos cem metros rasos da MPB. Em tão pouco tempo, bateu vários recordes!
O
que será que passava na cabeça do tão jovem Noel, sentindo a
fragilidade do seu corpo e a força de seu talento? “Quando eu morrer,
não quero choro nem vela, quero uma fita amarela, gravada com o nome
dela…”. Tem aquela tristezinha no fundo de um refinado senso de humor.
Seu
primeiro sucesso foi “Com Que Roupa”. Ali , Noel se prepara pra sair,
se mostrar, aparecer nas ruas da vida e arrasar na passarela da música
Brasileira. Sua última música, não à toa, foi “Último Desejo”. Densa,
triste, linda. Ele se despede de um amor, deseja ser lembrado pelos que
o amaram, desprezado pelos que ele detesta e mais uma vez nos entrega
uma história inteira pra viver, enquanto a melodia soa.
Imaginem
só, outro gênio, chamado Caymmi, viveu até os 94, não sei se chegou a
fazer cem canções, todas clássicas e indispensáveis. A preguiça jocosa
de Caymmi é conhecida e louvada sempre. Ele nos deu a Bahia. Construiu a
imagem daquele lugar mágico pro resto do Brasil. No timbre a
profundidade do mar, que eu até hoje temo, graças a algumas de suas
músicas. Caymmi devia sentir que tinha todo tempo do mundo para
construir sua obra. Noel teve que se concentrar, condensar tudo em
tenros, ínfimos 26 anos…
Agora vamos imaginar Noel com a longevidade de Caymmi.
Não teria sobrado nada pra ninguém! Ele ia fazer todo cancioneiro sozinho!
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