Polêmica no cangaço: "Lampião não era bicha, era bichona", diz biógrafo
Por Ana Cláudia Barros
Autor de Lampião - o Mata Sete, cuja publicação e comercialização foram proibidas em caráter liminar, o juiz aposentado Pedro de Morais conta a Terra Magazine
que ficou surpreso com a repercussão do caso. Antes mesmo de ser
lançada, a obra vem provocando polêmica e revolta por levantar a suposta
homossexualidade de Virgulino Ferreira da Silva e apontá-lo como um dos
vértices de um triângulo amoroso, formado ainda por Maria Bonita, sua
companheira, e o cangaceiro Luiz Pedro.
A ação judicial foi movida por
familiares de Lampião junto à 7ª Vara Cível de Aracaju (SE). Morais já
apresentou recurso. Ele diz que a conduta homossexual de Lampião foi
mencionada por outros autores e que se ateve apenas a fatos históricos. O
livro não trata exatamente da homossexualidade de Lampião. Eu apenas
mostro que ele era homossexual, mas não com força pejorativa. Eu não
tenho absolutamente nada contra os homossexuais nem a favor. Eu relato
um fato histórico. Aliás, não sou o primeiro a escrever sobre isso e nem
o vigésimo.
O magistrado aposentado, que
informou pesquisar sobre o tema desde a década de 1960, critica o que
chama de "deificação reprovável e intolerável" em torno da imagem do
"rei do cangaço" e enfatiza que uma das propostas da obra, escrita
durante aproximadamente seis anos, é "mostrar um lampião desmitificado".
Construíram esse monumento em
bases flácidas, mentirosas. Ele era ladrão, safado, perverso, canalha e,
o que não é má qualidade, bicha. Aliás, uma bichona. Frederico
Pernambucano de Mello (autor do livro Estrelas de couro: a estética do cangaço,
Escrituras Editora), um dos mais inteligentes sociólogos e antropólogos
do Nordeste, diz que Lampião tinha os adereços e a conduta da cultura
homossexual.
Para o membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, Alcino Alves da Costa, autor das obras O Sertão de Lampião, Lampião Além da Versão e Lampião em Sergipe,
a afirmação de Morais é "uma verdadeira aberração". Não existia
homossexualismo no meio do cangaço, não. Isso é uma aberração sem
tamanho. É polêmica pela polêmica. Uma afronta ao homem sertanejo. Se
Lampião fosse homossexual, fosse viado... - diz irritado, acrescentando
que estuda o cangaço "praticamente desde que nasceu"."Sou de Poço
Rendondo, onde deu mais de 35 moças e rapazes para o cangaço.
Eu me criei no meio dessa gente.
Zabelê, Manuel Marques da Silva, era meu tio, irmão de minha mãe". As
discordâncias só cessam quando o assunto é a imagem de justiceiro que
alguns atribuem a Virgulino. Ambos refutam o rótulo. Sobre esse ângulo
da história, ele (Morais) tem razão. Lampião jamais foi um justiceiro.
Era realmente um bandido, um cangaceiro de atitudes monstruosas, mas
tinha um lado heróico. O cangaço era um fenômeno social do Nordeste.
Ele nasceu das intrigas de
famílias. Lampião conseguiu ser, entre todos os cangaceiros, a maior
estrela, lutando, por praticamente 20 anos, contra as forças de sete
estados do Nordeste. Não se pode tirar esse lado heroico dele. Ele se
tornou o coronel dos coronéis. Todos os poderosos do Nordeste o temiam. O
cordel, os repentistas fizeram dele o mito que é hoje. Agora, só porque
quer tirar essa aura de herói, chama de viado. Aí, é sacanagem.
Para o juiz aposentado,
entretanto, Lampião foi "um dos piores homens que a natureza produziu".
Foi um facínora, um bandido, um calhorda. Não registrei nenhum feito
heróico desse homem. Minha senhora, veja só... na história do cangaço - e
eu já li muito, pouca gente leu tanto sobre Lampião quanto eu - não se
encontra uma virtude desse infame. Até o período do governo militar, os
nomes mais leves usados para Lampião eram calhorda, ladrão, safado.
A esquerda, durante o regime
militar, tinha artistas, compositores, poetas, grandes cantores, mas não
tinha um mito, um herói e criaram Lampião. Ele passou a ser o herói da
esquerda. Muita coisa tem sido escrita sobre ele. Há que o compare a
Jesus Cristo. Um homem que matou em torno de 1.200 pessoas. Acho essas
comparações abjetas, mas engraçadas. Graças a Deus, o povo está lendo
pouco...- ironiza.
Triângulo amoroso
Um
dos pontos que mais causaram barulho no livro de Pedro de Morais foi o
triângulo amoroso entre Lampião, Maria Bonita e Luiz Pedro. Desde 1960,
estudo sobre Lampião. Estudo e fui a lugares por onde ele andou. Tenho
depoimentos de remanescentes, de parentes de Maria Bonita, de Lampião.
Que ela era adúltera, está em todos os livros. O que eu digo e mostro é
que havia no cangaço um trio amoroso, envolvendo Lampião, Maria Bonita e
Luiz Pedro, o amor dos dois. Luiz Pedro era um cangaceiro, namorado de
Lampião, e trocaram juras de amor eterno.
Certa vez, Luiz Pedro matou o
irmão de Lampião, que era a coisa que Lampião mais queria bem, e, em
troca, Lampião, que nunca foi de clemência, absolveu Luiz Pedro,
exigindo dele juras de que jamais se separariam. Isso não me parece
coisa de macho. O integrante da Sociedade Brasileira de Estudos do
Cangaço rechaça a afirmação do magistrado aposentado.
Nunca teve isso, não! O Luiz
Pedro tinha uma companheira. A Mulher dele se chamava Neném. Ela foi
morta na fazenda Mucambo, em Sergipe. Era de Raso de Catarina, Paulo
Afonso, na Bahia. Essa monstruosidade chamada triângulo amoroso entre
Lampião, Maria Bonita e Luiz Pedro é tudo safadeza.
Matéria publicada no portal Terra
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