Maria
é o nome fictício de uma personagem real, tristemente real,
miseravelmente real. Vivendo em um casebre alugado, pequeno e quente em
um beco tomado por lama e esgoto de uma importante cidade do Vale, ela
continua dependendo da esmola adquirida nas ruas e da ajuda de parentes
para criar os quatro filhos: uma criação precária. Os meninos passam
fome, não têm roupas (vestem molambos que ganham em suas peregrinações
pela cidade) e quase todos estão fora da escola.
Deixaram de estudar porque não suportaram a fome em casa nem na escola, onde a falta de merenda é frequente e, quando tem, o lanche não é de boa qualidade. Preferiam ficar nas ruas mendigando qualquer centavo dos transeuntes, buscando algum proveito no lixo, juntando latinhas nas portas dos bares para vender por quilo no mercado ou fazendo qualquer outro bico, nem sempre dentro da lei. Uma das crianças já foi acusada de furto várias vezes e não tem mais do que 11 anos.
O único filho de Maria que estuda está na 4ª série, mas não sabe ler nem escrever. Por ser o que mais vive em casa é o que mais adoece: a mãe também tem problemas de saúde constantemente, certamente em função do mau passadio e das péssimas condições de moradia. A ruela é um grande esgoto a céu aberto, e a lama passa na porta da casa e, quase sempre, por dentro da casa.
Ela e o filho já fizeram algumas consultas médicas, mas pouco adiantaram ou não adiaram nada: eles não conseguiram os remédios na Farmácia Básica, que vive desabastecida, nem tinha dinheiro para fazer os exames solicitados. Também não tiveram ânimo para esperar meses pela rede pública: perderam a disposição diante da fila enorme, qual barreira instransponível, e "entregamos a Deus, ele é que cura: o remédio é bom, mas sem Deus, nada resolve".
O pai de dois dos seus filhos abandonou a família há três anos, mas Maria não se incomoda, ao contrário, diz que com ele em casa era pior: além de não arrumar trabalho, o homem batia nela e nos filhos quando bebia e bebia sempre.
Ela recebe pouco mais de cem reais do Bolsa Família, o suficiente para comer durante apenas alguns poucos dias: se não fossem as esmolas e bicos dos meninos e dela própria já tinham morrido de fome. E o problema é que as esmolas e ajudas estão ficando cada vez mais escassas: “O povo pensa que a gente vive bem porque recebe essa Bolsa e, por isso, não quer ajudar ou fala mal se a gente pede alguma coisa”, diz a mulher, que é analfabeta e não tem qualquer qualificação profissional. Sua filha mais velha, hoje com 14 anos, segue os passos da mãe, e pior: começa a enveredar pelo caminho da prostituição.
E essa é a face mais terrível da miséria no Brasil de hoje: a elite, a mídia e as próprias autoridades pensam, equivocadamente, que o Bolsa Família resolveu o problema da pobreza no país, mas, ao contrário, agravou-a ainda mais porque pôs sobre ela a cortina ideológica de que está tudo bem, de que vai tudo bem. No entanto, para quem vive em contato direto com o povo vê que a realidade não reflete a caríssima propaganda do governo.
As próprias Prefeituras reduziram drasticamente seus gastos com a assistência social a partir do Bolsa Família e hoje, com poucas exceções, suas secretarias de Ação Social são meros gestores do programa federal.
O Bolsa Família só resolve mesmo para os que não precisam do benefício e recebem-no apenas como complemento de renda. No Vale, pelo menos 30% das vagas estão nas mãos, ou melhor, nos bolsos de gente com boas condições de vida e que foi inscrita no programa ou deixada lá por ser aliada política do gestor vigente. Mas há também os casos em que o que falta mesmo é um exame minucioso e in loco do beneficiário, que, mesmo sem necessidade, continua recebendo o benefício.
A Folha pesquisou e encontrou servidores públicos ou seus cônjuges, comerciantes formais e informais e até proprietários de terra recebendo o Bolsa Família. Um desses beneficiários irregulares usa o dinheiro para pagar prestações de eletrodomésticos e eletrônicos: a compra mais recente foi uma antena parabólica. Outra bolsista deposita em sua poupança tudo o que recebe. Outros usam para comprar roupas ou complementar pagamentos diversos.
No final das contas, a conclusão é que os filhos de Maria vão continuar sem escola ou em uma péssima escola e nas ruas, e, já sendo marginalizados, poderão ser marginais ou simplesmente gente sofrida e, como a mãe, eternamente dependentes de uma Bolsa que nunca vai lhes arrancar da miséria.
E é importante reforçar que nossa personagem é real e regra, e não exceção neste país de aparência, aparência de que vai tudo bem, aparência somente, em que se transformou o Brasil.
Deixaram de estudar porque não suportaram a fome em casa nem na escola, onde a falta de merenda é frequente e, quando tem, o lanche não é de boa qualidade. Preferiam ficar nas ruas mendigando qualquer centavo dos transeuntes, buscando algum proveito no lixo, juntando latinhas nas portas dos bares para vender por quilo no mercado ou fazendo qualquer outro bico, nem sempre dentro da lei. Uma das crianças já foi acusada de furto várias vezes e não tem mais do que 11 anos.
O único filho de Maria que estuda está na 4ª série, mas não sabe ler nem escrever. Por ser o que mais vive em casa é o que mais adoece: a mãe também tem problemas de saúde constantemente, certamente em função do mau passadio e das péssimas condições de moradia. A ruela é um grande esgoto a céu aberto, e a lama passa na porta da casa e, quase sempre, por dentro da casa.
Ela e o filho já fizeram algumas consultas médicas, mas pouco adiantaram ou não adiaram nada: eles não conseguiram os remédios na Farmácia Básica, que vive desabastecida, nem tinha dinheiro para fazer os exames solicitados. Também não tiveram ânimo para esperar meses pela rede pública: perderam a disposição diante da fila enorme, qual barreira instransponível, e "entregamos a Deus, ele é que cura: o remédio é bom, mas sem Deus, nada resolve".
O pai de dois dos seus filhos abandonou a família há três anos, mas Maria não se incomoda, ao contrário, diz que com ele em casa era pior: além de não arrumar trabalho, o homem batia nela e nos filhos quando bebia e bebia sempre.
Ela recebe pouco mais de cem reais do Bolsa Família, o suficiente para comer durante apenas alguns poucos dias: se não fossem as esmolas e bicos dos meninos e dela própria já tinham morrido de fome. E o problema é que as esmolas e ajudas estão ficando cada vez mais escassas: “O povo pensa que a gente vive bem porque recebe essa Bolsa e, por isso, não quer ajudar ou fala mal se a gente pede alguma coisa”, diz a mulher, que é analfabeta e não tem qualquer qualificação profissional. Sua filha mais velha, hoje com 14 anos, segue os passos da mãe, e pior: começa a enveredar pelo caminho da prostituição.
E essa é a face mais terrível da miséria no Brasil de hoje: a elite, a mídia e as próprias autoridades pensam, equivocadamente, que o Bolsa Família resolveu o problema da pobreza no país, mas, ao contrário, agravou-a ainda mais porque pôs sobre ela a cortina ideológica de que está tudo bem, de que vai tudo bem. No entanto, para quem vive em contato direto com o povo vê que a realidade não reflete a caríssima propaganda do governo.
As próprias Prefeituras reduziram drasticamente seus gastos com a assistência social a partir do Bolsa Família e hoje, com poucas exceções, suas secretarias de Ação Social são meros gestores do programa federal.
O Bolsa Família só resolve mesmo para os que não precisam do benefício e recebem-no apenas como complemento de renda. No Vale, pelo menos 30% das vagas estão nas mãos, ou melhor, nos bolsos de gente com boas condições de vida e que foi inscrita no programa ou deixada lá por ser aliada política do gestor vigente. Mas há também os casos em que o que falta mesmo é um exame minucioso e in loco do beneficiário, que, mesmo sem necessidade, continua recebendo o benefício.
A Folha pesquisou e encontrou servidores públicos ou seus cônjuges, comerciantes formais e informais e até proprietários de terra recebendo o Bolsa Família. Um desses beneficiários irregulares usa o dinheiro para pagar prestações de eletrodomésticos e eletrônicos: a compra mais recente foi uma antena parabólica. Outra bolsista deposita em sua poupança tudo o que recebe. Outros usam para comprar roupas ou complementar pagamentos diversos.
No final das contas, a conclusão é que os filhos de Maria vão continuar sem escola ou em uma péssima escola e nas ruas, e, já sendo marginalizados, poderão ser marginais ou simplesmente gente sofrida e, como a mãe, eternamente dependentes de uma Bolsa que nunca vai lhes arrancar da miséria.
E é importante reforçar que nossa personagem é real e regra, e não exceção neste país de aparência, aparência de que vai tudo bem, aparência somente, em que se transformou o Brasil.
Foto (Sousa Neto): crianças na delegacia de Itaporanga suspeitas da prática de um furto.
Folha do Vale
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